“Movimento Armorial” de Ariano é festejado no álbum ‘Armoriando’

Cultura

A arte erudita e a cultura popular nordestina selam o amor do violino com a viola de 12 cordas. Esse encontro tomou força a partir do Movimento Armorial liderado pelo escritor, poeta e dramaturgo Ariano Suassuna (1927-2014) em Pernambuco na década de 70.

Para festejar e comemorar o cinquentenário e reverenciar essa produção e seus ecos no Brasil e no mundo, o Selo Sesc acaba de lançar “Armoriando”, segundo disco dos músicos Ana de Oliveira (violino) e Sérgio Raz (viola de 12 cordas)..

Depois de Carta de Amor e outras Histórias, lançado em 2019 com obras de Sérgio Raz e Egberto Gismonti, o duo, mais do que homenagear o movimento armorial, faz uma releitura autoral a obras de compositores como Antônio Madureira, Clóvis Pereira, Guerra-Peixe e Jarbas Maciel – além de músicas do próprio Raz, pernambucano que participou do Quarteto Romançal de Antônio Madureira e do grupo que acompanhava o escritor paraibano Ariano Suassuna em suas aulas-espetáculo. O disco é ilustrado pelos desenhos e pinturas do filho de Ariano, Manuel Dantas.

Com um som quente, um concerto, uma louvação, gravado quase ao vivo, cuja base é o violino de Ana de Oliveira e a viola de 12 cordas de Sérgio Raz, o disco traz 12 faixas conta com a participação de um trio de cordas formado por Dhyan Toffolo (viola), Mariana Salles (violino) e Hugo Pilger (violoncelo), além do percussionista Marcos Suzano em três músicas, entre elas “Lancinante”, composição de Antônio Madureira presente no LP Aralume (1976), do Quinteto Armorial. Madureira também assina “Repente” e “Improviso”.
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De Jarbas Maciel, comparecem à suíte “A Pedra do Reino”, e de Guerra-Peixe, “Dueto característico para violino e violão” e “Galope”. De Sérgio Raz, destaque para “Armoriando”, que dá nome ao disco, e “Cortejo”, peça originalmente gravada com uma rabeca presenteada ao músico pelo próprio Suassuna.

O MaisPB conversou com os músicos Sérgio Raz e Ana de Oliveira que trazem mais luz ao projeto Armoriando, um disco para colecionadores e admiradores da arte erudita.  

MaisPB – Vamos começar por aqui – Armoriando é sim, uma grande homenagem ao Nordeste. Estou certo?

Sérgio Raz – É uma grande homenagem à Música, à Música Armorial, ao Nordeste e ao Brasil. Estamos aqui celebrando a arte brasileira e, sendo assim, é de todos os brasileiros.

MaisPB – O disco é muito bonito, é forte e a gente escuta como se fosse ao vivo. Como aconteceu esse encontro perfeito entre você e Ana de Oliveira?

Sérgio Raz – Ana de Oliveira é uma das maiores violinistas do Brasil. Ela tem um som que vem da alma. Toca com o coração. Nosso duo está atuando desde 2019, já nos conhecíamos  desde 2013  e em 2018 no Festival MIMO  em Olinda surgiu a ideia de criarmos o duo. Em 2019 começamos a ensaiar e  trabalhar arduamente, lançamos o primeiro álbum e veio a pandemia, aí nos dedicamos mais ainda à Música,  ao duo e a ampliação de nosso repertório.  E sim, o disco foi gravado praticamente ao vivo, takes inteiros e praticamente sem edição, sem maquiagem. Daí vem a sonoridade quente que tem sido tão comentada. 

MaisPB – Mais de meio século do Projeto Armorial -pena que Ariano não está aqui para ouvir esse disco, não é? 

Sérgio Raz – Creio que ele gostaria muito. Segundo o compositor Ricardo Tacuchian escreveu no encarte de nosso primeiro álbum, Carta de Amor e outras Histórias:“O sonho de Ariano Suassuna, através do Movimento Armorial, foi criar uma arte erudita a partir dessas raízes populares nordestinas. O compositor e violonista Sérgio Raz, nascido no Agreste Pernambucano, traz no seu sangue toda essa tradição. Era preciso realizar a síntese tão sonhada por Suassuna e atualizá-la aos novos tempos. Isto foi alcançado com seu encontro com a paulista Ana de Oliveira, violinista de formação germânica e que circula, com igual autonomia, entre diferentes gêneros musicais. Era a convergência de dois “Brasis” diferentes, mas que se consubstanciou numa síntese que só a arte e o talento de ambos poderiam alcançar.

MaisPB –  Além de vocês dois, o disco traz a participação de um trio de cordas formado por Dhyan Toffolo (viola), Mariana Salles (violino) e Hugo Pilger (violoncelo), além do percussionista Marcos Suzano ( que é genial) em três músicas: “Lancinante”, composição de Antônio Madureira presente no LP Aralume (1976), do Quinteto Armorial. Madureira também assina “Repente” e “Improviso”. Vamos falar da pequena e grande orquestra erudita e popular?

Sérgio Raz – Marcos Suzano participou de nosso primeiro álbum e participa como convidado especial de nosso trabalho desde o início do duo. É um percussionista ímpar com quem gostamos muito de trabalhar. O trio de cordas de excelência formado por grandes músicos da cena carioca e brasileira,  foi convidado para gravar conosco a obra Suíte Pedra do Reino que encerra o álbum Armoriando. A Ana de Oliveira fez o primeiro violino e formou com eles também o quarteto de cordas nesta obra. Eu e ela tocamos os solos que originalmente foram escritos para duas flautas.

MaisPB – Aliás, quando você surge   com a viola de 12 cordas, dá uma sensação de dominar as canções e aí o Nordeste fica mais dentro do disco, né?

Sérgio Raz- Utilizei a viola de doze cordas no álbum Armoriando inteiro exatamente para caracterizar de maneira mais representativa a sonoridade das violas nordestinas, seu timbre, suas cores e seu canto. 

MaisPB – A  curadora e pesquisadora Camila Fresca no texto de apresentação do disco, diz que vocês aprofundam um trabalho que é exigente tecnicamente e rico musicalmente, desenvolvido com naturalidade entre as fronteiras do erudito e do popular. A apresentação do repertório Armorial a uma nova geração de ouvintes não poderia estar em melhores mãos. Pois bem, os jovens estão muito ligados às parafernálias das músicas apresentadas em nosso país, mas haveremos de encontrar  nos jovens inteligentes a busca por esse disco. Estou certo?

Sérgio Raz – Esperamos que este disco alcance a maior diversidade de pessoas no Brasil e no mundo possível. A Música Armorial certamente é tão expressiva e representativa que atingirá a sensibilidade de jovens em todo país e fora dele, assim como pessoas de todas as idades. 

MaisPB –  As pinturas e os desenhos da capa  encarte  são do filho de Ariano Manuel Dantas Suassuna. Como veio esse casamento?

Sérgio Raz – Desde o início da idealização deste álbum eu e Ana de Oliveira gostaríamos de ter a Arte de Manuel Dantas Suassuna e o design de Ricardo Gouveia de Melo em nosso Armoriando. E o Selo Sesc a quem somos muito agradecidos topou na hora nossa sugestão. O encarte está maravilhoso, uma grande obra de Arte. 

MaisPB – Você andava com Ariano nas aulas espetáculos. Tem alguma coisa pra contar pra gente do mestre?

Sérgio Raz – São tantas histórias bonitas, interessantes e espirituosas que é difícil escolher uma. Foi muito enriquecedor conviver com este grande Mestre brasileiro, que não mediu esforços para defender nossa Cultura. 

Ana Oliveira 

MaisPB – Seu violino parece um canto dentro deste disco histórico. Vamos falar sobre isso?

 Ana Oliveira  – Primeiramente obrigada por chamar nosso recém-lançado Armoriando de histórico, este disco realmente está muito marcante. Minha ideia nesse álbum  é realmente evocar com o violino o canto das rabecas, pífanos e cantadores do Nordeste brasileiro, utilizo vários recursos técnicos para isso, mas mais do que tudo uso a imaginação ao tocar. 

MaisPB – Como se deu a composição do repertório?

 Ana Oliveira  – Escolhemos obras representativas do Movimento Armorial, dentre os principais compositores que trabalharam ao lado de Suassuna, além de obras autorais de Sérgio Raz, buscando trazer ao ouvinte um panorama do que foi a Música Armorial dentro do movimento desde sua criação até os dias de hoje. 

MaisPB – Vou repetir uma pergunta que fiz a Sérgio Raz. Esse disco Armoriando é um presente, uma homenagem ao Nordeste. Estou certo?

 Ana Oliveira  – Nosso álbum Armoriando é uma homenagem ao Movimento Armorial, ao Nordeste, ao Brasil e à Cultura Brasileira. 

MaisPB – Como vocês chegaram ao nome do disco Armoriando, que termina sendo um uma corruptela de Armorial ou até um neologismo?

 Ana Oliveira  – Armoriando é o nome de uma obra para violino de Sérgio Raz que neste álbum eu toquei violino solo. A sonoridade da palavra é muito forte e eu sugeri batizarmos assim nosso álbum, Sérgio concordou de imediato. Sugere a ação de tocar Música Armorial, através do gerúndio do verbo “armoriar”, que não existe… 

MaisPB –  Você acredita que o disco Carta de Amor e outras Histórias, lançado em 2019 com obras de Sérgio Raz e Egberto Gismonti, deu impulso para o novo disco Armoriando?

 Ana Oliveira  – Sem dúvida, Armoriando é também fruto de Carta de Amor e Outras Histórias. Quase um desdobramento, já que no Carta de Amor tocamos a Suíte Armorial de Sérgio. É um aprofundamento, um amadurecimento do duo após quatro anos de existência e uma pandemia. Em Carta de Amor o duo ainda não tinha um ano de existência ao ser lançado e já teve uma excelente repercussão. E aguardem  o que vem por aí… 

MaisPB – Vocês já se apresentaram em São Paulo.  Haveria alguma chance desse show chegar ao Nordeste?

 Ana Oliveira  – Claro que existe, queremos muito lançar o Armoriando no Nordeste e em breve e certamente teremos estas datas de lançamento e apresentações no nosso amado Nordeste brasileiro!!

MaisPB – Como a música entrou em sua vida?

 Ana Oliveira  – A música entrou na minha vida muito cedo, meu pai sempre ouviu muita música principalmente de concerto, erudita, é um apaixonado por música. Muito cedo, aos cinco anos de idade  ouvi o violino e também me apaixonei, e até hoje é o que me move nesta vida.

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